Relatório do Deputado Paulo Abi-Ackel
SOLICITAÇÃO PARA AUTORIZAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CRIMINAL CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA, 01 de 2017
Solicita, nos termos do art. 86 da Constituição da República, submissão de Denúncia contra o Presidente da República ? deliberação da Câmara dos Deputados.
Autor: Supremo Tribunal Federal
Relator: Deputado Paulo Abi-Ackel
A Constituição atribui ? Câmara dos Deputados a decisão sobre a conveniência de submeter desde logo o presidente da República a processo penal, nos termos da denúncia contra ele apresentada pelo Ministério Público, ou a de optar pelo início do processo uma vez concluído o mandato presidencial.
Nem a autorização para o procedimento penal imediato importa em juízo de culpabilidade, nem o adiamento resultante da negativa da licença remete a suspeitas de impunidade. A razão de ser da norma Constitucional é a de submeter ? Câmara dos Deputados o juízo de oportunidade e conveniência da ação penal, no momento da postulação do órgão acusatório, em virtude da necessária consideração dos interesses do país. Não fosse o confronto desses interesses superiores com a postulação acusatória, nenhuma outra razão justificaria o mandamento constitucional de prévia autorização da Câmara para instaurar o processo. A razão da existência da norma constitucional é a do exame, pelo poder competente, da possível prevalência do interesse nacional sobre o momento em que se pretende deflagrar o processo. Nenhum prejuízo ? justiça poderá ser invocado contra a decisão da Câmara que fixar a oportunidade mais aconselhável para o início da ação penal. Se por ventura negada a licença, concluído o mandato o presidente da República responderá ? denúncia contra ele oferecida ao Supremo Tribunal Federal, sujeita a peça acusatória tão só ? s exigências da legislação processual penal, comum a todos os cidadãos. A? outorga da licença importa em afastar o presidente da República do exercício de suas funções, no caso vertente em hora crucial de restabelecimento das condições econômicas do país, grave e profundamente comprometidas, e ora ostentando sinais convincentes de recuperação. Modestos que sejam esses sinais, contrastam eles com os do passado recente, sempre desastrosos, e resultam, sem dúvida, de um árduo e constante esforço do governo.
Consta dos registros históricos de nosso tempo a desolação que se apoderara do país ao assumir o presidente Temer as reponsabilidades da presidência. O país se encontrava literalmente paralisado, com as contas públicas em desordem, déficit fiscal crescente, indústrias paradas e exportações em colapso. A esse quadro somavam-se danos como a inflação em alta, de braço dado com juros insuportáveis, além dos desastres na Petrobrás e no setor elétrico, vítima, este último, da improvisação e do voluntarismo. O produto interno bruto não guardava surpresas. Era, a cada anúncio, sempre menor, em certo momento acompanhado da redução da nota de confiabilidade no Brasil pelas agências internacionais de avaliação de risco. Não é possível negar que nesse passado recente o governo entrara em estado de perplexidade e inércia, enquanto se operava a devastação na área do emprego e se acentuava, em todos os setores da população, o sentimento a cada dia mais acentuado da gravidade da situação.
O novo governo se instalava em meio ? s mais dramáticas condições, provavelmente as mais difíceis e complexas de nossa história republicana. Restava-lhe o caminho de adotar imediatamente medidas duras e urgentes para conter a queda, ladeira abaixo, de uma economia dificilmente recuperável. A extravagância dos apelos ? heterodoxia já exibira em governos anteriores seu alto preço em descontrole inflacionário e desarranjos econômicos de reparação longa e difícil. O presidente optou pelo enfrentamento da crise através de remédios amargos mas inevitáveis, decisivamente necessários para desarmar as complicações e impasses de ante mão colocados em seu caminho.
Estamos diante de um governo imune a críticas, satisfatório em todos os setores de seu desempenho? É claro que não. Há muito o que corrigir, muito o que fazer, muito ainda o que ousar. Mas há que registrar, a seu crédito, acertos e benefícios para o país. O mais evidente anúncio de que afinal se opera uma reconstrução do país reside na reversão dos percentuais relativos ao produto interno bruto. As quedas de seu percentual eram constantes e as expectativas sobre sua evolução tornaram-se inevitavelmente negativas, dada a exaustão do fôlego da economia. A pretexto de estimular grandes empresas a alcançar o título de campeões nacionais, derramou-se entre muitas, através do BNDES, o dinheiro do tesouro a juros escandalosamente baixos, sem resultados para a economia do país. Dessa generosidade com o dinheiro público beneficiaram-se empresas como as dos irmãos Batista e outras do mesmo gênero, imensamente enriquecidas pelas facilidades de acesso a empréstimos privilegiados e débeis garantias de resgate. Não só por esta causa, mas pelo vasto conjunto de desacertos, o Brasil teve que abandonar as esperanças de incluir-se no rol dos países desenvolvidos para situar-se entre nações geradoras de desconfiança em relação ? capacidade de honrar seus débitos.
Sejam quais forem as críticas ao governo é justo reconhecer mudanças positivas na condução da economia. O PIB sempre decrescente não mais alarma o país com seus números negativos. O que hoje se discute até mesmo em agências internacionais de prestígio, como o Fundo Monetário Internacional, é o aumento do índice de crescimento da economia brasileira no corrente ano. Há vozes consternadas com o baixo crescimento, na ordem de 0,3% a 0,5%, mas esses números modestos exibem um salto de eficiência da economia. Eles emergem, enfim, no campo dos saldos positivos, a despeito dos males de difícil erradicação que ainda os afetam. Essa reversão significa que o país afinal se levantou – ou está se levantando, se preferirem – da depressão que o afligia.
Será precisamente este o momento adequado para promover, através da outorga da licença, a destituição do presidente da República? Estamos vivendo o momento crucial da restauração das condições para o desenvolvimento do país e o mais elementar dos sensos de oportunidade aponta na direção da continuidade desses esforços para a conquista de um clima de confiança no futuro imediato do país.
O debate democrático que se desenvolve sobre a ação do governo reflete com intensidade as divergências de opinião. Há quem se oponha ? política econômica que alcançam estes resultados. Há quem considere errônea e equivocada a execução orçamentária, o enxugamento das despesas e as medidas concernentes ao ajuste fiscal. Pode e deve haver reparos de natureza técnica a estes e outros aspectos do desempenho do governo e é bom para o país que se ampliem discussões e críticas ? correção de rumos e ao aperfeiçoamento de políticas adotadas. Afinal, somos uma nação democrática que assegura a escolha de seus rumos pela liberdade de opiniões.
Tudo isto, em conjunto, assegura o equívoco de se considerar sem importância para o país a licença para processar o presidente da República. Medidas restritivas na economia têm seu preço na queda dos índices de popularidade do presidente que as adota. A questão que se põe para a população é a de saber se no Brasil tão grandemente afetado por uma continuidade de erros seria possível apelar para paliativos embalados em grandes campanhas de publicidade. A tentativa de mascarar a crise deflagrada no Brasil seria não só irresponsável como odiosa e agressiva ? inteligência do povo. Também não se meteu o governo a inventar planos heterodoxos de transformação da economia por passe de mágica, como já se tentara no passado com péssimos resultados.
Seja por mérito, seja pela falta de opções, as medidas tomadas pelo governo, restritivas como são, tinham mesmo que despertar insatisfações, naturalmente intensificadas pelo vigor da oposição. As referências ? situação do país não podem ocultar que entre as medidas tomadas incluem-se reformas estruturais de grande e inegável alcance, desejadas há anos mas sempre proteladas, a pretexto da ausência de maioria parlamentar para aprová-las. Coube ao governo do presidente Temer a iniciativa de submetê-las ao Congresso, que as acolheu, em razão de sua necessidade para modernização de setores vitais para a economia e para abolir privilégios insustentáveis. As reformas propostas, finalmente concretizadas pela maioria parlamentar em ambas as Casas do Congresso tornaram–se leis ou estão em pleno debate.
Desde que encaminhado ? Câmara o pedido de licença pelo Supremo Tribunal Federal foi ele objeto de tramitação imediata, sobre ele se manifestando, em primeiro lugar, a Comissão de Constituição e Justiça, na qual foram objeto de amplo debate todos os aspectos referentes ? denúncia oferecida pelo Ministério Público, sendo oportuno destacar o relatório elaborado na ocasião pelo ilustre e digno deputado Sérgio Zveiter e a forma exemplar com que conduziu os trabalhos, no exercício da presidência da Comissão, o eminente Deputado Rodrigo Pacheco. Ao plenário da Câmara cabe, enfim, o alto encargo de pôr fim ao processo, com sua decisão soberana sobre o momento adequado ? instauração do procedimento judicial. Cabe aqui acentuar, para o necessário registro, a conduta exemplar, superior e isenta com que se desincumbe de suas responsabilidades, desde o momento inicial da tramitação desta delicada matéria, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia.
A decisão da Câmara, ao conceder ou negar a licença, não alterará a substância ou o destino da denúncia oferecida contra o presidente da República pelo Procurador Geral da República, Dr. Rodrigo Janot. A denúncia remanesce, na inteireza de seus termos, se por ventura negada a licença para imediato inicio da ação penal. A Câmara decide a matéria como juiz da oportunidade da instrução criminal, sobretudo diante do afastamento automático do presidente, por cento e oitenta dias, decorrente do recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Esse mecanismo de conveniência e oportunidade do processo penal não pode ser confundido com pretensa norma de impunidade ou rotulado como um salvo-conduto para o cidadão que ocupa, episodicamente, o cargo de presidente da República. Na verdade, ao delegar a decisão ? Câmara dos Deputados, o constituinte pretendeu dotar o Poder Legislativo da prerrogativa de decidir, em juízo político, se a sujeição do presidente da República a um processo penal, no momento da decisão, ou seja, na conjuntura em meio ? qual deve manifestar-se a Câmara, poderia ser prejudicial ao país. Torna-se evidente que a cautela do constituinte, ao submeter a questão ao julgamento de conveniência da Câmara deveu-se ? possibilidade ou ? hipótese de que o afastamento do presidente, nas circunstâncias referidas, possa causar instabilidade política ou econômica ao país. É extremamente equivocada, pelas razões expostas, a concepção simplista de que a negativa de autorização ao Supremo Tribunal Federal para instaurar imediatamente o processo criminal contra o presidente da República vá lhe assegurar qualquer impunidade. A negativa da licença importará exclusivamente em sobrestamento temporário do exame da matéria pelo Poder Judiciário, pois o impedimento cessa inexoravelmente no momento em que se encerra o mandato presidencial. Trata-se de uma questão de oportunidade, considerado o interesse do país no instante em que, a critério exclusivo da Câmara, é fixada a fase adequada ? instalação do processo.
O julgamento da Câmara é de natureza política em sua essência, mas é natural que na elaboração de seu voto o parlamentar leve em conta o valor intrínseco da denúncia, a exatidão de sua narrativa e a razão, fundada no bom senso, da atribuição de responsabilidade penal ao presidente da República. A demonstração objetiva da vinculação da pessoa denunciada ? prática do delito, a narrativa do ato que o indica como autor ou partícipe da ação delituosa não são invocadas neste relatório como indispensáveis ? atribuição de culpabilidade exclusivamente ao presidente da República. O mais modesto, o mais desamparado dos indivíduos não pode, se não por arbítrio, ser levado ? barra dos tribunais sem que sua participação no delito seja passível de clara evidência de responsabilidade.
Este princípio não decorre de uma teoria, nem resulta de uma recente doutrina. É, ao contrario, elemento fundamental do estado democrático de direito, incluído como se encontra entre os direitos e garantias da pessoa, onde quer se viva sob o império da lei.
No relatório que apresentamos ? Comissão de Constituição e Justiça, por ocasião do julgamento por aquele órgão técnico da Câmara, procurei demonstrar que a denúncia oferecida contra o presidente da República, doutor Rodrigo Janot, carece de elemento essencial a peças acusatórias, pois lhe falta a descrição do vínculo, do nexo, entre a prática do ato delituoso e a pessoa do presidente. Na denúncia em que se descriminam os atos do Sr. Rodrigo Loures, referentes a toda a questão do recebimento do dinheiro que lhe foi entregue por Ricardo Saud, agente executivo do Sr. Joesley Batista, a inclusão do nome do presidente da República não se apoia em testemunhos, documentos ou provas e indícios contábeis e periciais. É uma inclusão desamparada de material probatório antes ou depois coletado. Despida de elementos fáticos sobre o presidente da República, a denúncia, para alcança-lo, submeteu-se ao fenômeno da derivação. Sofreu, em seu final, evidente mudança de rumo, por força da suposição existente no espírito do acusador.
Não me parece necessário lembrar, após tão ampla e reiterada publicidade sobre estes acontecimentos, a imprestabilidade da gravação feita pelo Sr. Joesley da conversa com o presidente da República, tantos são os indícios técnicos indicativos da suspeição que a envolve. Das cinco perícias realizadas a respeito, firmadas por técnicos e instituições especializadas, quatro são unânimes no reconhecimento da existência de ruídos e pausas derivadas de efeitos inexplicáveis ou de manipulação, que anulam completamente a credibilidade que se pretendeu emprestar-lhe.
O ato em si da gravação feita pelo Sr. Joesley Batista mereceu da eminente e respeitada jurista Ana Pelegrini Grinover, Profª sênior de direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo o qualificativo de torpe, em parecer no qual examinou exaustivamente a eficácia da prova ilícita como elemento de convicção nos processos penais.
Pode-se afirmar com procedência que esses aspectos ligados ? apuração criminal são exclusivamente da competência do Poder Judiciário e que escapam, por sua natureza, do âmbito de competência da Câmara dos Deputados. Está claro que não lhe compete tal atribuição. Seu juízo político, no entanto, dificilmente a afasta ou a torna imune ? compreensão de todos os aspectos envolvidos em uma questão de interesse nacional, também sujeita ao seu julgamento e em consequência ? sua plena compreensão.
De qualquer modo, a Constituição outorgou-lhe autoridade plena para decidir, em face das circunstâncias em que vive o país, se o mandato presidencial deve ser exercido até sua efetiva conclusão ou deve ser suspenso ou interrompido por força de uma denúncia que ainda está por provar aquilo que afirma.
As informações originárias de instituições acadêmicas, dos estudos de economistas de renome, de dados estatísticos colhidos em pesquisas por institutos especializados demonstram o desenvolvimento contínuo de uma ação governamental destinada a recompor as bases do desenvolvimento econômico do país. Do conjunto dessa ação governamental resultam, aqui e agora, sinais animadores que tendem a adensar-se pela continuidade e aprofundamento desse mesmo esforço.
Para alcança-los tem sido indispensável a colaboração do Poder Legislativo, onde ressoam, com maior intensidade do que em qualquer outro, os reclamos e angústias do povo que representa. Não fugirá especialmente a Câmara dos Deputados, onde reside, por delegação, a própria soberania popular, ao dever de assegurar e fortalecer o que vai se firmando como única saída para os tempos difíceis vividos pela nação. Nenhum prejuízo causará ? justiça a negativa da licença, preservada como ficará a denúncia para seu inevitável prosseguimento, logo que concluído o mandato presidencial.
São estas as razões do relatório que me coube elaborar e sustentar e que se encerra com a conclusão de que deve ser negada pelo plenário a licença para processar, imediatamente, o Presidente da República. O processo pode ser instaurado, sem prejuízo para a justiça, uma vez encerrado o mandato presidencial. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, por todas as razões expostas, o relatório é no sentido da inadmissibilidade da acusação e pelo indeferimento da solicitação para autorização de instauração de Processo nº 1 de 2017.
Veja
aqui? Após a leitura do Relatório o deputado Paulo Abi-Ackel dá entrevista coletiva ? imprensa.
AI em 02 08 2017